domingo, 16 de agosto de 2009

INFOCCO, NA REDE: ADOLESCENTE E SUA SEXUALIDADE

INFOCCO, NA REDE: ADOLESCENTE E SUA SEXUALIDADE

ADOLESCENTE E SUA SEXUALIDADE

Marta Suplicy


A posição dos pais é, muitas vezes, de uma lideralidade teórica que não é operacionalizada, os pais assumem que isso ou aquilo está certo mas não operacionalizam.

Como o adolescente de hoje está lidando com sua sexualidade?

Em termos de informação isso depende. Em relação à AIDS ele tem toda informação mas apresenta dificuldade em utilizá-la, em relação à gravidez a informação é muito menor, aí se agrava pois ele não tem nem a informação e nem sabe utilizar a que tem.

Hoje temos uma noção muito clara de que a informação sozinha não muda comportamento, por exemplo, em relação à AIDS mais de 95% já têm informação sobre o que é e como evitá-la porém nem 4% utilizam o preservativo.

O que leva esse jovem bem informado a deixar de se proteger contra a AIDS e outras doenças?

Existem bloqueios que impedem a utilização dessa informação que são resultado de conflitos, medos, etc. O adolescente hoje é um sanduíche, de um lado tem a família que ameaça: "se você engravidar teu pai te mata, se você engravidar uma menina, nós não temos nada com isso", e temos a igreja do mesmo lado que diz : "é feio, é errado, é pecado".

Então temos o NÃO e falta o diálogo.

Do outro lado não é muito melhor, temos a televisão que mostra todo mundo transando o tempo todo, ninguém usa preservativo, ninguém usa anticocepcional, ninguém engravida, é tudo que o adolescente quer escutar para poder fazer o que quer. Ainda, desse mesmo lado temos os coleguinhas, que dizem: "você é a única virgem da classe, você é o único que não transou ainda, está todo mundo comentando". A pressão do grupo desse lado, é igualzinha ao outro, não tem diálogo, é o SIM para fazer. O adolescente, como um sanduíche com o sim de um lado e o não do outro, fica sem espaço para poder trabalhar o conflito.

Não adianta saber que pode engravidar, porque no meio disso tudo, imperam os hormônios sexuais que começaram a funcionar, e o desejo vai ser violento, com uma bagagem conflitiva enorme, sem um lugar para trabalhar, então ele coloca o conflito e as informações na gaveta.

Qual a solução diante deste conflito?

A solução é a educação sexual na escola. É o instrumento que nós temos mais eficaz na prevenção de gravidez, de AIDS e de aborto, nos dias de hoje.

Cabe à escola ou à família a educação sexual do adolescente?

Esse é um papel que cabe à escola, a transmissão dos princípios democráticos e éticos que são o respeito pelo outro, o respeito por si mesmo, o respeito à pluraridade de opiniões. À família cabe transmitir os valores morais que a escola não tem condição de dar, e isso não dá para delegar, a família tem de explicitar o que acha certo e errado, isso não compete à escola, pois a escola não pode ter uma posição sobre o aborto, sobre casar virgem ou não, isso não é um consenso social.

A família tem de ter uma posição sobre essas questões, a família tem de se posicionar quando na novela a sobrinha transa com o tio, tem de ter uma posição moral sobre esse assunto, e o que vemos é que os pais assistem pouca televisão com os jovens, e quando assistem, não se colocam.

A posição dos pais é, muitas vezes, de uma lideralidade teórica que não é operacionalizada, os pais assumem que isso ou aquilo está certo mas não operacionalizam. Se achamos que nossas filhas podem transar, então como vamos fazer para que essa transa seja segura? Como vamos fazer para que nossas filhas freqüentem o ginecologista e tomem as providências necessárias? Em que lugar eles vão transar? Porque, para transar, tem de ser uma coisa gostosa, tem de ter uma condição mínima de segurança, para não ser perturbado, e tranqüilidade para não engravidar, para não contrair nenhuma doença.

Se pensamos que é assim, como é que vamos ajudar para que isso ocorra da melhor forma possível?

Existe um vazio que nem a mãe nem o pai operacionalizam a idéia teórica que têm. Pode, mas e daí? Deixam as coisas no espaço e não facilitam, ao contrário, tentam lançar culpas. Penso que esse é um dos maiores problemas que temos, a falta de operacionalização dos pais frente às suas próprias teorias.

O estímulo e o apelo sexual precoce, seja através de programas com grande carga de erotismo na TV como o grupo Tcham, Xuxa, Tiazinha, filmes, etc, podem interferir no desenvolvimento saudável da criança?

Eu acho que está interferindo, muito mais no imaginário feminino de comportamento profissional do que sexual. O que se vê é que por volta de 12 anos a menina está reafirmando sua identidade de mulher e o olhar que ajuda é o olhar masculino, que não é o olhar do homem de 40 e 50, mas do menino de 15 anos. Mas o menino de 15 anos tem o olhar de admiração para essas figuras da mídia como a "Tiazinha", que não são o protótipo que a mãe ou o pai, gostaria que o filho tivesse como carreira profissional. Nós gostaríamos que nossos filhos e filhas investissem principalmente numa formação profissional sólida, mas as meninas percebem que o que é admirado por quem elas querem ser admiradas, não é a menina estudiosa e sim da menina que malha, que tem o traseiro bonito, que se expõe sexualmente. Isso é muito nocivo. Vemos os resultados no imaginário, ao invés de pensar em estudar bastante para ter uma carreira sólida, investe-se bastante em malhação em ir para a televisão e casar com um milionário.

Quando vemos o "Maníaco do Parque" que leva 9 meninas decentes para dentro de um parque com uma lábia completamente absurda para fazer um book de fotografias, está claro que já estão impregnadas dessa mentalidade.

Como devem agir os pais frente à influência da mídia na vida de seus filhos?

Os pais têm uma luta inglória, vou contar um exemplo que vi no Rio.

Uma professora que dava aula para mulheres casadas que, adultas, expressavam sua indignação com o programa da "Tiazinha". Passaram-se três semanas e todas estavam fazendo fantasia de carnaval para suas filhas de 12 anos de "Tiazinha". A professora perguntou o que era aquilo e elas responderam que não conseguiam trabalhar isso, "elas querem". Fica um desencontro muito grande, as mães se sentem impotentes para fazer frente à avassaladora propaganda que a mídia traz para transar, que os grupos de filhos e filhas trazem para transar, e mesmo achando que aquilo não é certo, elas não têm condições de resistir. A família está com enorme dificuldade em se defender desta situação. Por isso devemos atuar mais nos meios de comunicação.

Mas os exemplos negativos sempre existiram, não está faltando os exemplos positivos?

Não podemos comparar os exemplos negativos há 80 anos sem a televisão com exemplos negativos de agora quando temos informação de massa numa televisão. No passado as pessoas viam exemplos negativos no máximo no tio ou no vizinho, agora somos bombardeados 24 h por dia, com 300 mil exemplos negativos que não têm conseqüência negativa.

Concordo que os exemplos positivos não existem, necessitamos de modelos claros de ação. Na televisão só temos modelos claros transar, temos de ter modelos claros de ação como: "eu não quero transar com você sem camisinha" ou "eu não quero transar porque não gosto de você".

Os jovens não têm modelos de atitudes, de comportamentos, e precisam ter um modelo claro do NÃO.

Quais valores sociais e morais que se perderam nessa cultura do aqui e agora, e como reconquistá-los?

O que vejo mais aparente é a questão do respeito ao outro, poderíamos por o nome de cidadania, onde as pessoas são mal tratadas na televisão, humilhadas e isso fica divertido, ninguém fica indignado com o que ocorre.

Que relações podemos observar entre a entrada na puberdade e a aprendizagem acadêmica?

Existem momentos na puberdade para o adolescente que o principal não é aprender matemática, e tem de ser visto como algo que absolutamente faz parte do processo. Tudo tem de ter um tempo, pode-se maximizar a libido para a matemática conseguindo tornar menos conflitiva a vivência das questões sexuais.

Podemos dizer que nossos jovens são mais saudáveis hoje graças à maior liberdade sexual de nossos tempos?

Acho que são mais saudáveis, mais informados, muitos vivem a sexualidade com mais tranqüilidade, mas falta muito para que ela possa ser vivida de uma forma mais segura, porque

eles tem mais a informação mas não conseguem utilizá-la em benefício próprio. Está faltando essa contrapartida por parte de programas de governo em escolas e programas de massa que mostrem outro jeito de lidar com a sexualidade que não seja os impulsos.

Como está a escola hoje?

Está desestruturada, abandonada e o professor desestimulado. Hoje a escola pública é um desastre, quem pode tirar e colocar na particular, põe.

Penso que o grande investimento é na escola, também devemos capacitar os professores para dar aulas de orientação sexual.

Em 1989 coordenei o "Projeto de Orientação Sexual nas Escolas", em nenhuma das salas de aula que tiveram essa orientação teve menina grávida e os professores foram capacitados através da Fundação Arthur McArthur. Depois o programa foi extinto e os técnicos, que haviam investido 4 anos em sua formação, foram usar essas informações com suas famílias pois a escola não tinha mais essa aula.

O gasto com aborto é altíssimo para o estado. Hoje, no Ministério da Saúde, é o segundo orçamento na área de ginecologia (20 % são meninas que abortam, além das grávidas, que desde 96 estão duplicando). Em termos financeiros para o Estado, para a União e para o Município é um desastre. Em termos emocionais, podemos imaginar o que é ter em casa uma menina grávida aos 13 anos. Fica muito mais barato em todos os sentidos, investir num programa para isso e sabemos que funciona.

Você colocou que precisamos de programas nas escolas mas essas escolas estão decadentes, com professores mal formados, sem recursos. Como podemos pretender implantar esses programas dentro dessa realidade?

Para resolver essa questão temos de colocar na escola o orçamento devido. Hoje no município não se coloca 30% do orçamento que é a obrigação, nem o estado coloca também. O governo do estado coloca dentro do orçamento da educação a merenda escolar e não é suficiente. Temos de colocar dinheiro na escola. Em todos os lugares onde a escola melhorou foram colocados recursos, não existe outra maneira. Protegeremos a escola se pagarmos aos jovens líderes da comunidade cursos de computação, cursos para capacitação técnica em algum esporte e os colocarmos dentro desta, com um salário mínimo para trabalhar Sábado e Domingo organizando a comunidade em entretenimento. Ninguém mais pichará a escola, ninguém mais invadirá a escola. Temos de fazê-la funcionar de outro jeito. Não adianta, podemos ter um policial em cada esquina ou de mãos dadas até o final de um quarteirão, e ainda assim não impediremos o crime se não dermos uma alternativa.

Com relação à violência, passamos por uma crise parecida com a que acontece nos Estados Unidos?

Nos Estados Unidos muito da violência está ligada ao distúrbio mental, os jovens americanos acham que seus inimigos são todos os negros, hispânicos e japoneses, é uma amostra de decadência da sociedade, talvez pela própria abundância que ela tem. No Brasil, nossos crimes são muito mais frutos da pobreza do que de distúrbios mentais.

Houveram modificações no relançamento de seus livros desde os anos 80?

Escrevi três livros "Conversando Sobre Sexo", "Sexo para Adolescentes", e "Papai Mmãe e Eu".

No "Conversando Sobre Sexo" eu não precisei tirar nenhuma pergunta por achar que essa pergunta não existiria mais hoje, tive que readaptar muito a questão da AIDS, a questão de medicação, eu já havia feito uma revisão há alguns anos colocando os métodos alternativos de tratamento para problemas ginecológicos. Uma parte muito grande da população prefere se tratar com métodos alternativos, ervas e coisas desse tipo. A questão do "ficar" foi introduzida e as drogas que não existiam. Foram introduzidas novas informações sobre homosexualidade, a discussão desse projeto da parceria civil, a questão do aborto, as questões que a sociedade ainda tem, os oito projetos sobre aborto no Congresso Nacional e a pressão da igreja, foram alguns adendos específicos, mas acho que ele é um documento sociológico da sexualidade da mulher e do homem brasileiro dos anos 80 e que por incrível que pareça, em pleno final do século essa informação é igual. Com o lançamento do fascículo "Orientação Sexual" que foi feito pelo jornal O Dia, no Rio de Janeiro, um jornal que vende 400 mil exemplares por dia para uma população classe média baixa, estou respondendo às perguntas que vieram, e vejo que é a volta da TV Mulher dos anos 80. O que as pessoas aprenderam? Nada, não teve um programa para ajudar as pessoas a terem uma informação mais consistente sobre sua sexualidade. Muitas coisas caíram como informação, como mito, por exemplo a questão da virgindade hoje não recebo perguntas sobre isso, mas outros tipos de questões permanecem.

No "Sexo para Adolescentes" teve mais modificações. Uma foi no "FICAR", não existia esse capítulo quando foi feito, era uma coisa que estava começando e hoje acho que é a maior conquista que o adolescente fez. Antes a menina ou se assexuava ou experimentava bastante e virava "galinha" e o menino ia para a prostituição pois não era permitido ter uma experiência. Acho que o "FICAR", dentro de uma faixa de idade e não sendo a transa completa, é uma vantagem pois permitiu a construção da sexualidade de uma forma muito mais sadia. Não se pode proibir tudo depois apertar um botão e gozar, porque não goza mesmo. O ficar é isso, e se pode experimentar numa época que os hormônios estão ali e o jovem não tem condição de ter um envolvimento emocional com 12 ou 13 anos, isso nem é exigido, não é uma idade para se ter um vínculo ainda, mas é uma idade para experimentar. O "FICAR" foi uma boa invenção. Outro capítulo que foi introduzido foi o do abuso e assédio sexual porque acho que hoje, para uma moça, não dá para não ter uma consciência do que é. No assédio sexual tem de se por um NÃO, antes de se ir parar na delegacia.

Geralmente quem assedia é uma pessoa que se gosta e é próxima. Se pensa: "Será que isso é verdade? Será que está acontecendo comigo? Será que estou entendendo certo?". No momento seguinte se descobre que se está entendendo certo, e o pensamento é: "Bem, vou fingir que não estou entendendo porque assim ele desiste". Só que ele não entende, ele pensa que se ela não está reagindo, é porque ele está indo bem. Aí ele faz uma proposta mais concreta, e ela sai correndo e vai para a delegacia.

O parâmetro de até onde se vai é antes de chegar ao "vamos ver", ainda que isto custe o emprego, a nota ou outra coisa. Sobre o abuso sexual, foi necessário dar esclarecimento, pois as mulheres são muito vulneráveis em situações de crise e podem realmente ser abusadas, e por desinformação também. São abusadas por ginecologistas, advogados, dentistas, padrastos e pais e isso tem de ser visto como crime e denunciado como tal. No livro tem histórias para as adolescentes identificarem o que é abuso, o que é assédio, o que se tem de fazer.

Outra questão é o capítulo de drogas que não existia e que um livro hoje para adolescente não pode deixar de ter, está muito relacionado à sexualidade e à desproteção que a droga leva em relação ao sexo. Então tem um capítulo grande explicando todas as drogas e suas conseqüências.

E esse fascículo do jornal "O Dia" é para criança e para adolescente e pode ser comprado por temas como, por exemplo, Jogos Amorosos Infantis, Drogas, etc.

O que você acha da regulamentação da profissão do psicopedagogo?

Conheço mais o trabalho dos argentinos e as pessoas que fazem cursos deles, sou a favor da regulamentação, acho que é uma cadeira em si e uma especialidade. Diria que temos que investir mais no professor, na capacitação e aí a psicopedagogia entra com muita força porque é o caminho para que, principalmente em situações difíceis de aprendizagem ou mesmo das que não são difíceis, saber como se atingir o jovem no seu potencial máximo, na sua possibilidade máxima para aprender.

Eu acredito que se não for feito investimento nessa área, vai ser muito difícil sairmos dessa condição de subdesenvolvimento. Tem de se investir na educação e na capacitação dos jovens, nas alternativas daqueles que não conseguiram supletivo, criar o mínimo de possibilidades e se pensar o novo. Os empregos agora não são os empregos que nossos avós tiveram, são empregos que necessitam de maior número de instrumentos para se lançar nesse mercado que é informal e competitivo, diferente mas ele vai estar habilitado a sobreviver.


Marta Suplicy - é Psicóloga, formada pela PUC-SP, com mestrado em Psicologia Clínica pela Michigan State University e Pós-Graduada na Stanford University. Membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise-SP e Membro da International Psychoanalytical Association (IPA).

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